Reflexões sobre Diversificação

Diversificação. Quando se começa a investir, é comum ouvir que não se deve colocar todos os ovos na mesma cesta. Harry Markowitz, ganhador do Prêmio Nobel e um dos pais das finanças modernas, disse uma vez que “Diversificação é o único almoço grátis”. Diversificamos nossos investimentos para reduzir o risco, evitar que um único evento afete todo o nosso patrimônio e tentar obter retornos aceitáveis em tempos bons e ruins.

Mas afinal de contas, o que é “diversificar”? Uma pergunta aparentemente simples, mas que esconde nuances e que pode nos mostrar conceitos importantes em finanças quantitativas. Podemos pensar que “diversificar” é pulverizar nossos investimentos em diversos ativos, quanto mais melhor. Mas para demostrar que diversificação não é tão simples assim, considere as duas carteiras abaixo, com os mesmos pesos em cada ativo (não preciso dizer que isso é apenas um exemplo e não uma recomendação de investimento, certo?):

Carteira 1Carteira 2
BBDC3SUZB3
BBDC4PETR4
ITUB3BPAC11
ITUB4WEGE3
SANB11
BPAC11
BIDI11
BBAS3

A primeira carteira tem oito ativos, enquanto a segunda tem quatro. Você diria que a primeira carteira é mais diversificada? Provavelmente não, certo? Logo de cara, a primeira carteira tem oito ações, mas apenas seis empresas. Essas 6 empresas são bancos, brasileiros e com (maior ou menor) foco no varejo. Ela está concentrado no risco do setor bancário brasileiro, basta uma lei que afete o setor e todas as ações andarão juntas.

Já a segunda carteira tem apenas quatro ações, mas são de empresas diferentes, em setores diferentes e até parte de suas receitas em países diferentes. A segunda carteira é mais diversificada (o que não significa obrigatoriamente que deva ter uma performance melhor).

Diversification is the only free lunch.

Harry Markowitz

Correlação

A correlação, seja ela a medida estatística ou a interdependência econômica, entre as empresas é um fator crucial para a diversificação. É possível demonstrar que um portfólio que investe em diferentes ativos com pesos iguais tem a seguinte volatilidade:

Onde n é o número de ativos, σ² é a variância média dos ativos (volatilidade ao quadrado) e ρ a correlação média. Note que o primeiro termo decai com o número de ativos. No limite, com um número suficiente de ativos, a volatilidade se torna:

Acima vemos como a volatilidade decai com o número de ativos e a correlação média, supondo uma volatilidade média de 20%. Com uma correlação média de 50%, 2 ativos já têm resultado e volatilidade menor do que 50 ativos a uma correlação média de 75%.

Ortogonalidade

Em matemática, ortogonalidade é a ideia de coisas independentes, perpendiculares, que formam um ângulo de 90º. Essa ideia geométrica é muito explorada na gestão quantitativa de portfólios.

Vamos imaginar um mundo bem estranho, em que as ações são apenas cestas de ativos. Para simplificar, vamos supor que elas tenham ouro, trigo e vinho. Os consumos desses bens são independentes e, por tanto, seus preços variam de forma independente. Vamos imaginar então três “ações” que contêm cada ativo nas seguintes quantidades:

AçãoOuroTrigoVinho
A0.80.30.1
B0.20.90.3
C0.40.40.9

Podemos representar essa tabela através de um gráfico, onde cada ponto é uma das ações, e sua posição em cada eixo é a quantidade de cada ativo (cada eixo um ativo). As linhas conectam cada ponto ao ponto (0, 0, 0).

Se duas ações carregam os ativos em proporções muito parecidas, suas linhas vermelhas terão ângulos muito próximos. A correlação entre cada ação é uma função direta desses ângulos. Se o ângulo for de 90º, significa que as ações são independentes. Ou seja, os ativos que têm em uma, não têm na outra. Se o ângulo for maior que 90º, algum(ns) ativo(s) em uma ação tem uma quantidade com sinal contrário da outra. Por isso, dois pontos com ângulo aberto são equivalentes a um long e um short em dois pontos com o ângulo muito fechado.

Repare que você pode esticar ou encurtar a linha vermelha, comprando mais ou menos do ativo. Se você comprar 0.5 quantidades da ação, ela vai estar no meio da linha, por exemplo. Quanto maior a linha, maior tende a ser a volatilidade da ação ou portfólio, por estar mais exposto aos ativos. Um portfólio vai ser a soma dessas linhas.

Nessa visão, fica claro que um portfólio pouco diversificado é aquele em que os pontos estão muito próximos, e um portfólio bem diversificado é aquele que os pontos espalhados para todos os lados.

No mundo real, as ações não são cestas de ouro, trigo e vinho. Então, essa visão tem alguma utilidade?

Sim! Há duas maneiras de convertermos o mundo real para esse conjunto de eixos.

Fatores

A maneira que eu vejo como mais usual, prática e com um entendimento mais intuitivo, é através de fatores, ou Factor Investing. No Factor Investing, identificamos de forma estatística os drivers do mercado, os “ouro, trigo e vinho” que norteiam os movimentos das ações. Nomes como Market, HML, e WML, são os drivers do mercado. Características de origem econômica, fundamentalista e comportamental que guiam os movimentos na bolsa. Um portfólio de n ativos pode ser quebrado em apenas alguns eixos de fatores, isso facilita a análise da diversificação.

Se você tem interesse em aprender mais sobre Factor Investing e como aplicar essa ferramenta nos seus investimentos pessoais, conheça o meu curso “**Factor Investing – Uma abordagem sistemática para gestão de Portfólios”.**

O “problema” dos fatores é que eles não são perfeitamente ortogonais entre si, ou seja, a correlação entre cada fator não é perfeitamente zero. Para muitas aplicações, isso pouco importa, para outras mais avançadas, a projeção (imagine uma sombra do ponto em cada um dos eixos, por isso o nome projeção) em eixos ortogonais é de suma importância. Mas como podemos fazer isso se não temos fatores perfeitamente descorrelacionados? Criando os nossos próprios, é claro.

PCA

Principal Component Analysis, ou PCA, é uma técnica muito utilizada na ciência de dados. Desde identificar espécies de plantas até prevenir fraudes, qualquer base de dados onde diversas variáveis correlacionadas podem influenciar um resultado, o PCA tem uma oportunidade de ser utilizado.

Minha intenção aqui não é explicar por completo essa técnica, mas sim passar a intuição, por isso alguns detalhes podem estar incompletos ou imprecisos.

Se soubermos o vetor (o valor em cada eixo) de uma ação, podemos calcular o ângulo e a distância entre duas ações (e, por consequência, a correlações e covariância), sabendo a covariância, podemos fazer o caminho contrário. Podemos desenhar a nuvem de pontos. Mas ainda não temos os eixos. Deixe sua imaginação fluir aqui e pense naquele gráfico 3D lá em cima. Na sua imaginação, rotacione o fundo dele mantendo os pontos no lugar. Repare que se você jogar um foco de luz em cada uma das “paredes”, os valores em cada eixo vão ter mudado. Esses eixos também são válidos (só que agora não representam mais o ouro, trigo e vinho, mas uma combinação deles), dizemos em matemática que temos uma nova “base ortogonal”. Existem infinitas bases possíveis, mas no PCA é escolhida a base que máxima a variação dos pontos projetados em cada eixo.

Eu sei, pode estar um pouco confuso para imaginar e entender. Tente imaginar assim: você tem três lâmpadas, uma em cima, uma na frente e uma na direita, além da sua nuvem de pontos (como no gráfico). Você vai girando essa nuvem e olhando para as sombras formadas. Às vezes a sombra vai ter os pontos alinhados, quase não tendo sombra, às vezes haverá mais sombras. Você vai girando até que as sombras formadas pelos três focos de luz fiquem o mais espalhadas possível.

Uma das projeções vai ter os pontos bem espalhados, outra vai ter os pontos bem próximos. Essa projeção com os pontos próximos é provavelmente ruído. Sabemos, então, que esse último “fator” é ruído e não informação. Podemos descartá-lo para “limpar” nossos dados. Ou podemos focar no “fator” com maior variância, o chamado Principal Component 1 (PC1), e estudar suas propriedades.

Eu sei, estou me alongando bastante na explicação e talvez esteja um pouco difícil de entender numa primeira leitura, mas é porque o PCA é uma ferramenta realmente incrível. Para entender melhor, recomendo esse video do StatQuest, ou esse, se estiver com pressa.

Uma aplicação prática foi feita no artigo Limpando as Correlações. O PCA também pode ser utilizado para otimizar estratégias de Long-Short [1] e na gestão de risco. Enfim, é uma ferramenta muito utilizada em finanças e data science.

Intuição

O físico e pioneiro no mundo Quant, Emanuel Derman, classifica três “modos de compreensão”, meios de se entender o mundo:

  • Teorias: teorias se sustentam por conta própria, explicam o que, como e o porquê de as coisas acontecerem;
  • Modelos: modelos são uma descrição (simplificada) do que acontece. Quants se preocupam com modelos, raramente com teorias;
  • Intuição: para Derman, intuição seria a forma mais elevada. Quando o observador consegue transcender a compreensão.

Eu, particularmente, acredito que podemos desenvolver uma forma simplificada de intuição a partir de modelos e teorias.

Qual intuição podemos extrair das ideias de ortogonalidade e PCA? Acredito que seja procurar entender quais são os drivers que guiam o movimento de um ativo. Se o dólar subir, o juros cair ou o desemprego cair, o que podemos esperar que aconteça com um determinada ação? Desses drivers, qual é o mais relevante? Ao incluir um novo ativo nas nossas carteiras, qual novo driver está sendo adicionado? Esse novo driver é ortogonal aos que já temos ou eles são correlacionados? Forte ou fracamente?

Uma ação, imóvel, cripto ou o ativo que for, não depende apenas dos seus fundamentos internos, mas principalmente de fatores externos compartilhados com vários outros ativos.

[1] CARTEA, Álvaro; JAIMUNGAL, Sebastian; PENALVA, José. Algorithmic and high-frequency trading

[2] DERMAN, Emanuel. Models. Behaving. Badly.: Why Confusing Illusion with Reality Can Lead to Disaster, on Wall Street and in Life.