Título: Puzzles of Finance – Six pratical problems and their remarkable solutions.
Autor: Mark P. Kritzman
Eu tenho uma máxima quando eu penso em modelos, sejam eles simples intuições ou complexos modelos matemáticos:
“Conheça seus pressupostos”.
Muitas discussões no mercado focam no resultado final dos modelos, opiniões ou visões de mundo, quando na verdade seriam bem mais proveitosas se focassem em discutir os pressupostos. Em um modelo matemático, se não houver nenhum erro nas contas, as previsões são simples consequências diretas dos pressupostos.
Dito isso, se tem um livro que vai te forçar a colocar os pressupostos em primeiro plano, é esse! Ele mostra, através de seis “charadas”, que ideias totalmente contraintuitivas fazem total sentido quando temos claro o ponto de partida. A estranheza surge apenas porque não temos uma imagem clara de onde estamos partindo.
Vou contar quais são os seis puzzles, mas não vou entregar o pulo do gato de cada, esse trabalho eu deixo para o Mark.
Puzzles:
Paradoxo de Siegel
“Em um determinado ano, o Dólar valorizou 10% em relação ao Real. De forma equivalente, o Real desvalorizou 9,10% em relação ao Dólar. Na média, as duas moedas se valorizaram 0,45%. Se o movimento fosse o contrário, o retorno médio seria o mesmo!”
Talvez você esteja pensando que a frase acima é apenas um truque contábil, que eu distrai você em algum lugar e fiz alguma conta que não podia. Ora, se o Dólar subiu em relação ao Real, o Real deve cair da mesma forma em relação ao Dólar e a média ser zero, não? Não exatamente.
O Paradoxo de Siegel, que empresta o nome do economista que o teria identificado, Jeremy Siegel, é uma das ideias mais contraintuitivas no mundo das finanças. Eu mesmo preciso parar e pensar toda vez que me deparo com ele (e confesso, fico com uma sensação de algo errado).
Para provar que a frase acima não foi um simples truque, vamos a um exemplo prático:
Estamos no ano de 1994, o Real vale o mesmo que o Dólar e o Big Mac custa R$ 2,50. Com um orçamento de R$ 1.000,00 eu posso comprar 400 Big Macs. Digamos que nos EUA custa US$ 2,50 também, então meu primo pode comprar mais 400, totalizando 800 hambúrgueres. Mas se ao invés de gastar tudo com comida agora, eu troco meus Reais por Dólares, meu primo troca seus Dólares por Reais, e a gente espera um ano? Digamos que no final do ano US$ 1 passa a valer R$ 1,10 e os preços do McDonald’s continuam iguais. Se a gente não tivesse feito o câmbio, compraríamos os mesmos 800 Big Macs, mas a gente fez, então vamos ver o que aconteceu. Eu destroco meus US$ 1.000,00 por R$ 1.100,00 e compro 440 Big Macs, meu primo destroca os R$ 1.000,00 por US$ 909,09 e consegue comprar 363 Big Macs (mais uma batatinha), juntos temos 803 hambúrgueres (e uma batata), três a mais do que se não tivéssemos feito o câmbio.
O QUE!?
Sim, não foi um simples truque contábil. O Paradoxo de Siegel é real.

Esse paradoxo tem uma consequência interessante, que não é citada no livro, mas é demonstrada por Fischer Black [1]. Investidores que investem em outros países sempre ficam na dúvida se devem ou não fazer o hedge do risco cambial. A conclusão de Black, por consequência do paradoxo, é que existe uma proporção ideal do quanto deve ser hedgeado.
Probabilidade de Perda
Você é um investidor focado no longo prazo e conservador. Seu assessor de investimentos te liga com uma oportunidade de investimento e a conversa segue:
“O investimento XYZ é muito interessante, teve um retorno médio de 10% ao ano, com uma volatilidade de 20% a.a”.
“Nossa, 20% a.a. não é muito, não?”
“Não, fica tranquilo. Você não é focado no longo prazo? Então, a probabilidade de perder mais de 10% nos próximos 10 anos é só de 7.2%”.
Você fica mais tranquilo, mas decide pedir uma opinião sobre essa oportunidade para o seu amigo que é trader em um fundo:
“Então, o que acha? O assessor disse que eu só tenho 7,20% de chance de perder mais que 10% nos próximos 10 anos, então posso ficar tranquilo que, com 92,80% (100% – 7.2%) de chances, eu vou ter pelo menos 90% do que eu investi disponível se eu precisar”.
“O que?! Claro que não. Há 62,50% de probabilidade de, se você precisar sacar o dinheiro, ele ter caído mais do que 10%”.
E agora? Quem está falando a verdade? Será que o assessor mentiu? Como um número pode ser quase nove vezes maior que o outro?
A verdade é que os dois números estão certos, mas você perguntou coisas (não tão) ligeiramente diferentes para cada um dos dois. E tem mais, mudando mais um pouco a pergunta, há outras respostas possíveis.
A pergunta “Qual a chance de perder mais do que 10% nos próximos 10 anos” é mal formulada, pois pode ter múltiplas interpretações. O assessor interpretou como a probabilidade de que ao final dos 10 anos, naquele ponto especifico do tempo, o valor do seu investimento fosse igual ou menor do que 90% do que você investiu. Como o retorno esperado é positivo, a chance de terminar com perda é pequena. Por outro lado, o trader interpretou a probabilidade de que em qualquer momento dos próximos 10 anos o seu portfólio fique abaixo dos 90% inicialmente investidos, ou seja, olhando dia a dia. Isso é conhecido como probabilidade de “First Passage”. Se você garantidamente não vai mexer no dinheiro nesse período, o primeiro número é de maior interesse, mas se você pode precisar sacar a qualquer momento, o segundo é mais interessante.
Para ilustrar melhor, imagine que você investiu R$ 1.000,00 e no dia seguinte seu investimento caiu 11%, mas com o tempo ele se recuperou e terminou em R$ 1.100,00. O evento ruim imaginado pelo assessor não ocorreu, mas o evento imaginado pelo trader sim.
Poderíamos ainda pensar na possibilidade do retorno anual em algum dos próximos 10 anos ser menor que -10%, há uma chance de perdermos em média 10% ou mais ao ano, por 10 anos. Ou até mesmo de ter um maximum drawdown (maior queda considerando o ponto máximo anterior) maior que 10% nesses 10 anos (situação não tratada no livro). O livro trata de diferenciar esses casos e explicar como é feita a conta para cada um desses.
Tão importante quanto entender as premissas dos modelos, é saber formular precisamente as perguntas que você faz para ele.
Diversificação Temporal
O terceiro puzzle ilustra muito bem a importância de entender as premissas e as perguntas num mesmo exemplo.
Uma verdade inquestionável no mercado é que quanto maior o seu horizonte de investimento, mais você pode ser tolerante a riscos e vice-versa. As pessoas no mercado debatem tudo, se volatilidade é risco, se a empresa A é melhor do que B, se CDI bate a Bolsa, mas existe algo que ninguém discorda “quanto maior o seu horizonte de investimento, mais você pode ser tolerante a riscos”. Isso deve ser verdade então. Bem…
Paul A. Samuelson [2], um dos maiores economistas de todos os tempos, demonstrou que não deveríamos mudar nosso portfólio e nossa propensão ao risco com base no nosso horizonte de investimentos. Se você está investindo pensando em um ano ou trinta, sua carteira deveria ser a mesma.
A ideia de aumentar o risco com o horizonte, é que o risco de perda no final do período diminui com o tempo. Mas vamos olhar com calma, o que significa exatamente “risco de perda”? Se entendermos como a probabilidade de ter um retorno negativo no final do período, então sim, o risco diminui com o tempo. Mas se o “risco de perda” for a magnitude média da perda, então ele aumenta com o tempo.
Mas há ainda uma nova reviravolta. O autor demonstra algumas situações onde faz sentido aumentar o risco com o horizonte, mantê-lo igual ou até diminuí-lo! Quer entender quais são essas situações e conhecer as outras três charadas? Então não deixe de ler Puzzles of Finance: Six Practical Problems and Their Remarkable Solution.
Sobre o Autor
Mark P. Kritzman é Senior Lecturer em finanças no MIT, presidente da Windham Capital e membro do board e advisor de alguns fundos de investimento. Além disso, é autor de diversos artigos científicos em finanças e coautor do excelente livro Asset Allocation.
[1] Black, Fischer. “Universal Hedging: Optimizing Currency Risk and Reward in International Equity Portfolios”
[2] SAMUELSON, Paul. Risk and uncertainty: A fallacy of large numbers. 1963