Métricas de Risco: Manual do Usuário – Parte 1

Há quem diga que o trabalho de um trader é ser um gestor de riscos. Eu concordo plenamente, ainda mais se for um trader institucional que cuida do dinheiro dos outros. Para mim, pouco adianta você ser um excelente analista de ações, capaz de prever muito bem os movimentos macroeconômicos e ter as melhores ferramentas de trading à disposição, se você for devolver todo seu lucro em momentos de eventos adversos ou num único cisne negro.

Instituições financeiras têm áreas específicas para gestão de risco, o que ajuda a manter as coisas um pouco sob controle, mas como vou explicar mais a baixo, não tira a responsabilidade do trader. Um investidor individual não tem o luxo de contar com uma equipe à disposição e são poucas as ferramentas que ele tem em mãos. A tela de Backtest de Carteira da Quantzed é uma das ferramentas de fácil acesso mais completas em termos de risco, lembrando muito ferramentas institucionais que eu já tive contato. Mas ter a ferramenta é apenas metade do caminho, entender como ela funciona, para que serve e para o que NÃO serve é a outra metade. E esse é meu objetivo nesse artigo.

Problema do Agente-Principal

Quando um banco ou fundo quebra, logo surgem especialistas dizendo que faltaram controles de risco naquela instituição. Não há como discordar dessa afirmação, mas atribuir toda a culpa ao time de gestão de risco é uma saída fácil em que nada ajuda a mitigar o problema no futuro. Para mim, o problema é mais amplo e começa com algo chamado “Problema do Agente-Principal”.

Esse é um problema clássico em economia. Você (Principal) contrata alguém (Agente) para tomar decisões por você. Por melhor que seja o profissional contratado, seus objetivos são diferentes. Tome como exemplo um fundo de investimentos, você contrata o fundo para tomar decisões de investimentos para você. Você, como principal, tem interesse que o seu dinheiro renda o máximo possível no longo prazo. A primeira vista, o trader do fundo tem o mesmo interesse que o seu, afinal, quanto maior o retorno e maior a duração do fundo, mais ele ganha de bônus e por mais tempo ele mantém o emprego, mas há um detalhe sútil. Na verdade, o interesse do trader é maximizar o próprio bônus. Se estiver chegando perto do final do ano e o fundo tiver ido mal, ele não vai ganhar bônus e pode até ser demitido, nessa situação o que ele tem a perder tomando um risco exagerado? Se der errado, ele já ia ser demitido mesmo, se der certo ele mantém o emprego e ganha bônus. Ele tem um incentivo perverso para apostar pesado. Essa história não é apenas teórica, já aconteceu várias vezes e deve voltar a acontecer no futuro. Nick Lesson, do banco Barings, e Jérôme Kerviel, do Société Générale, são exemplos clássicos. Por isso, muitos, como o Nassim Taleb, advogam pelo Skin in the game, que o gestor e o trader tenham a maior parte do seu patrimônio associado ao fundo ou banco. Assim, ele tem muito mais a perder do que apenas o bônus.

Mas por que isso importaria para métricas de risco se numa instituição há uma área separada para cuidar disso? Porque a exata implementação dessas métricas envolve muitas escolhas arbitrarias e simplificações necessárias. Numa estrutura hierárquica, com falta de alinhamento de interesses, quem toma o risco pode influenciar e muito em como o risco é medido, normalmente escondendo riscos importantes.

Claro que a maioria das pessoas no mercado não se deixam levar por essa lógica utilitarista-maximalista simples. Ética e reputação costumam entrar na conta, evitando ações desesperadas na média. Porém, quando falamos de gestão de risco, não podemos olhar para a média, mas devemos olhar para os extremos.

O Bê-á-Bá do risco

Vou apresentar três métricas de risco: Desvio Padrão, Value at Risk e Conditional Value at Risk. Sem dúvidas, essas são as métricas mais utilizadas no mercado e muitas métricas mais complexas são extensões de uma das três.

Antes de explicar cada uma delas, vale desfazer um mito. Muita gente vai dizer que essas métricas não servem para nada porque elas se baseiam na Distribuição Normal, que tem caudas finas (caudas são as probabilidades de eventos extremos) e subestimam o risco. Isso é FALSO. Elas podem ser implementadas usando o pressuposto da normalidade, mas não é obrigatório, você pode assumir a distribuição que quiser. O problema é que a matemática se torna bem mais complexa e, infelizmente, há poucos profissionais capacitados para lidar com isso em nível institucional. Então, a Distribuição Normal ainda é muito presente.

Outro detalhe importante é que toda métrica pode ser construída olhando para como ela foi no passado, chamada de métrica histórica (às vezes denotado por uma barra em cima do símbolo da métrica, por exemplo σ) ou olhando para o futuro criando um modelo de como as coisas devem se comportar daqui para frente (denotado por um acento circunflexo, σ).

Desvio Padrão

O Desvio Padrão, por vezes chamado de volatilidade, é o bloco básico das métricas de risco. Ele mede quão dispersos são os dados (retornos, por exemplo) ao redor da média. Em estatística, também é chamado de segundo momento central (”segundo” por conta do elevado ao quadrado na equação abaixo). Seu cálculo histórico não tem segredo:

O E é a média dos valores dentro dos colchetes. Ou seja, se X é o retorno, o Desvio Padrão é a média dos retornos ao quadrado, menos o quadrado da média dos retornos, tirando a raiz quadrada de tudo isso. Um exemplo:

Para intuição de como números mais dispersos aumentam a desvio padrão, é só pensar que quando você eleva um número grande ao quadrado, ele fica muito, muito maior, do que quando você eleva um número pequeno e o sinal não importa. Convido o leitor a refazer o exercício acima, mas usando números mais dispersos para firmar a intuição.

Chamo a atenção que em nenhum momento assumimos que a distribuição é Normal.

Para a métrica futura, não faltam jeitos de se estimar. Se você já operou opções, deve estar familiarizado com o conceito de volatilidade implícita (o que exatamente é a volatilidade implícita é uma discussão muito interessante, mas fica para um próximo artigo). Esse valor, para as opções ATM, é um excelente previsor de quanto será a volatilidade até o vencimento daquela opção:

Como a volatilidade implícita muda com cada opção, podemos levar em conta as volatilidades de todas as opções, um jeito de fazer isso é o índice VIX, que calcula o desvio padrão esperado para os próximos 30 dias usando as volatilidades implícitas.

Há métodos econométricos, como EWMA (Exponentially Weighted Moving Average) e os modelos da família ARCH (GARCH, GJR, student-t GARCH etc), que usam dados históricos para prever o desvio futuro, mas dando mais peso para dados recentes. Ultimamente, métodos envolvendo Machine Learning e Redes Neurais estão bem na moda. Na prática, os mais usados são o histórico, o implícito das opções e o GARCH. No geral, a estimação usando opções costuma ser muito boa, pois é o resultado de milhares de agentes do mercado tentando prever qual será a volatilidade futura. Alguns agentes utilizam GARCH, outros GJR, redes neurais, expectativas de eventos futuros (que não aparecem nas séries históricas) são levadas em consideração… Toda informação disponível entra no preço da opção. O adendo é que, em alguns casos, a volatilidade implícita é ligeiramente exagerada, há motivos para isso e eu discuto um pouco mais sobre no curso de Factor Investing.

Interpretação

Independente do modelo, tendo um número em mãos, precisamos transformar em algo mais aplicável, mais intuitivo, útil na tomada de decisões. Mas antes de tudo, vamos assumir a gaussianidade (segue uma Distribuição Normal)? Se a alavancagem for pequena, os ativos pouco exóticos e o horizonte longo o suficiente, assumir a gaussianidade (ou Normalidade) não é um grande problema e facilita muito as contas.

Se seguirmos com a Distribuição Normal, podemos usar o desvio padrão para ter um ideia de quão grande e quão provável podem ser cada retorno. Há uma regrinha simples: há 68.2% de chance do retorno estar entre ±1 desvio padrão ao redor da média, no exemplo acima 0.4%±1.98%. Há 95.5% de chance de estar entre ±2 desvios, e por aí vai:

Veja como a probabilidade de um evento extremo decresce rapidamente, há menos de 0.001% de chances de ter um retorno abaixo de -7.52% no nosso exemplo. Aposto que você já viu quedas mais bruscas do que essa no mercado, não é mesmo?

Se acharmos que os retornos seguem outra distribuição, aí cada distribuição vai ter sua tabela equivalente. Mas a curiosidade é que: existe um limite mínimo para as probabilidades, nenhuma distribuição tem probabilidades menores do que essa. Esse limite é chamado de Desigualdade de Chebyshev:

Mas isso é apenas uma curiosidade, com pouco ou nenhum uso prático em finanças, já que é exageradamente pessimista.

O desvio padrão nos dá uma noção do quanto o ativo “balança” no dia a dia, mas pode nos dizer muito pouco sobre o que acontece em situações de stress, principalmente se aceitarmos a verdade de que os retornos dos ativos raramente seguem uma distribuição Normal.

No próximo artigo, vamos falar sobre duas outras métricas utilizadas por todos os bancos e fundos, VaR e CVar. Vamos discutir também algumas propriedades que gostaríamos que as métricas de risco tivessem (mas nem sempre têm).