O Teorema

O que o teclado do seu celular, detecção de células cancerígenas, o filtro de spam do e-mail e algumas das técnicas de gestão de portfólio mais avançadas do mundo têm em comum? Um simples teorema matemático, popularizado por um pastor inglês do século 18, que o nomeia – O Teorema de Bayes [1].

Teorema

Mas, antes de explicá-lo no detalhe, o que é um teorema? Em matemática, um teorema é uma afirmação que pode ser provada como verdadeira, usando premissas anteriores e a lógica matemática. Diferente de uma teoria, que sempre pode ser contestada, um teorema é uma verdade absoluta. Se ele foi provado como verdadeiro, então é verdade. O Teorema de Pitágoras, sobre os lados de um triângulo, foi provado há milênios em algumas poucas linhas e nunca ninguém cogitou duvidá-lo.

A questão é que, a matemática é uma construção idealizada, uma simplificação do mundo, e cabe ao cientista ver se essa representação é compatível com o mundo real ou não. Se você pegar instrumentos de precisão e tentar provar o Teorema de Pitágoras usando objetos reais, vai ver que os números não batem na crava, seja por imperfeições ou porque não consideramos outras questões que não permitem o seu uso nesse caso (curvatura da terra ou até curvatura do espaço-tempo). Mas já divaguei demais, vamos voltar ao assunto.

Fórmula de Bayes

O teorema fala sobre a atualização da probabilidade de ocorrência de algum evento, dado que agora sabemos que outro evento ocorreu. Temos um evento A qualquer e você tem a sua estimativa desse evento ocorrer. Agora eu te conto que um outro evento B ocorreu. Isso muda a sua estimativa do primeiro evento?

Por exemplo, “Qual a chance da praia estar cheia este final de semana?”. Talvez, baseado na sua experiência, você me diga 50%. Agora eu te digo que a previsão do tempo é de sol. Provavelmente sua estimativa mude de 50% para 80%. É algo intuitivo, e falando assim parece até trivial, mas quando bem aplicado se prova uma ferramenta muito poderosa e, por vezes, contraintuitiva.

O Teorema de Bayes pode ser representado por uma fórmula simples:

P (A): Probabilidade a priori do evento A. A priori significa antes de receber a nova informação.

P (B): Probabilidade do evento B. Probabilidade antes de sabermos que ele já aconteceu.

P (A|B): Probabilidade do evento A, dado que o evento B ocorreu. Chamado de posteriori.

P (B|A): Probabilidade do evento B, dado que A ocorreu. Tecnicamente chamado de verossimilhança (likelihood).

No exemplo da praia, os números poderiam ser:

P (Praia Cheia)= 50%

P (Calor)= 60%

P (Calor | Praia Cheia)= 95% – Esse número pode ser interpretado como “dos dias que a praia estava cheia, quantos estavam calor”.

Esse primeiro exemplo é bem intuitivo, mas às vezes os resultados podem contrariar nossa intuição. Esse segundo exemplo mostra como não podemos confiar puramente nos nossos instintos e como podemos dar mais peso do que deveríamos à nova informação.

Antes do exemplo, um detalhe: P (B) pode ser dividido em duas partes.

Leia isso como “A probabilidade de B ocorrer é igual a probabilidade de B, dado que A aconteceu, vezes a probabilidade de A acontecer mais a probabilidade de B, dado que A não aconteceu, vezes a probabilidade de A não acontecer”. Seguindo o exemplo, “A probabilidade de calor é igual a probabilidade de calor, dado que a praia estava cheia, vezes a probabilidade da praia estar cheia, mais a probabilidade de calor, dado que a praia não estava cheia, vezes a probabilidade da praia não estar cheia”. A primeira vista pode ser um pouco confuso, mas tente pensar em outros exemplos e isso deve se tornar mais claro.

Voltando ao exemplo, imagine que há um teste para uma doença. Nos pacientes com essa doença, o teste acerta 90% das vezes (sensitividade). Nos pacientes sem a doença, ele acerta (diz que a pessoa não a tem) 80% das vezes (especificidade). Na população em geral, apenas 5% das pessoas têm a doença.

Você fez o teste por curiosidade e o resultado foi positivo. Qual é a sua reação?

Vamos as contas:

Aposto que você teria ficado muito mais preocupado vendo o resultado do exame, do que ficaria vendo a real probabilidade depois das contas, não é mesmo?

A Filosofia Bayesiana

Quem acompanha meus artigos já deve saber que eu gosto de ter certeza dos meus pressupostos, realmente entende-los e colocá-los à prova e não só aceitá-los como algo óbvio ou trivial. Então, vamos cutucar algo que você talvez nunca tenha parado para pensar: o que é Probabilidade?

Se você perguntar para um matemático, ele vai te dar os Axiomas de Kolmogorov: 1. A probabilidade de algo é um número maior ou igual a zero. 2. A probabilidade de que pelo menos um dos eventos possíveis ocorra é 100% (a probabilidade de chover ou não chover é 100%). 3. A probabilidade da união de eventos disjuntos (se um acontecer, o outro não pode acontecer) é a soma da probabilidade dos eventos individuais.

Beleza, legal! Ele me disse umas regrinhas sobre probabilidades, mas não me disse nada sobre o que ela realmente é. Bem… essa é uma discussão em aberto, sem uma resposta clara, mas podemos dividir de forma simplificada em duas interpretações principais: a frequentista e a bayesiana.

A frequentista interpreta a probabilidade como o limite do número de ocorrências do evento que estamos interessados, dividido pelo número de vezes que fazemos o experimento quando repetido indefinidamente. Por exemplo, a probabilidade de uma moeda sair “cara” é a proporção de vezes que a moeda sai com esse lado para cima quando você a joga indefinidas vezes. Mas se o experimento não puder ser repetido várias vezes? O próximo final de semana só vai acontecer uma vez, a bolsa pode subir ou cair amanhã, mas o amanhã não vai se repetir exatamente do mesmo jeito. A segunda interpretação contorna esse problema, assumindo que a probabilidade é uma crença pessoal [2]. Para você, a chance da praia estar cheia é 50%, mas para mim pode ser 40% ou 60%, não há um número verdadeiro até que chegue o final de semana, quando esse número vai ser 0% (praia vazia) ou 100% (praia cheia).

Sob a interpretação bayesiana, o teorema pode ser visto como uma forma de atualizarmos as nossas crenças com base em novas informações. Isso se encaixa perfeitamente na mente de quem trabalha no mercado financeiro, nós temos crenças sobre o futuro e somos bombardeados com novas informações a todo instante. A interpretação frequentista é esquisita e artificial para nós, a interpretação bayesiana é linda e intuitiva. Dessa interpretação surgem diversas ferramentas e técnicas de modelagem, algumas aplicadas à exaustão no mercado financeiro.

Black-Litterman

O modelo mais famoso e mais amplamente utilizado no mercado, que se baseia na interpretação bayesiana, é o Modelo de Black-Litterman [3][4][5]. Não vou entrar nos detalhes das fórmulas, mas vou explicar a ideia geral, caso tenha interesse nos detalhes, consulte as referências indicadas.

O primeiro modelo, que muita gente aprende no mercado, é o modelo de Markowitz. Nele você tem a matriz de covariância (Σ) e os retornos esperados (µ) dos ativos, e a aversão ao risco do investidor (γ). Com isso você encontra o peso (w) que cada ativo deve ter no portfólio do investidor.

A matriz de covariância dá para ser estimada com alguma confiança, a aversão ao risco também, o grande problema é estimar o retorno esperado. Você pode tentar usar Gordon, CAPM, olhar o balanço de cada uma das empresas, mas imagine o trabalho de fazer isso para todas as ações do mercado. E se a gente pudesse, de alguma forma, obter o consenso do mercado sobre os retornos esperados? Será que é possível? Sim! Nós podemos inverter o modelo de Markowitz.

A lógica é a seguinte: Se você tiver Σ, µ eγ, você tem w, mas se você tiver Σ, w e γ, tem µ. Se ao invés de usar o w de um investidor qualquer, utilizar o w mkt do mercado, ou seja, o market cap de cada uma das ações, você chega no retorno esperado do consenso do mercado µ mkt. Repare, isso pode ser visto como nossa probabilidade a priori. Mas você, investidor, pode ter algumas visões diferentes do consenso, pode achar que uma ação deve ter um retorno de 15% e/ou um setor deve performar 10% a mais que outro. Essa visão, junto com sua incerteza sobre eles, constitui a verossimilhança. Com a priori e a verossimilhança, podemos calcular a posteriori (µ post) utilizando o Teorema de Bayes. Agora podemos passar de volta pelo Markowitz e ter o portfólio ideal para as nossas visões.

Intuição

Mas por que ter esse trabalho todo e não simplesmente otimizar o portfólio apenas para a nossa visão? Primeiro, porque é difícil ter tantas opiniões, para tantos ativos para ter um portfólio diversificado. Segundo, porque, como o exemplo do exame médico demonstrou, podemos superestimar o quanto nosso exame/opinião realmente afeta na probabilidade final.

Você pode utilizar o Teorema de Bayes de forma rigorosa, desenvolvendo modelos completos e complexos, mas eu acredito que todo trader tem a ganhar utilizando o teorema para refinar a sua intuição. Nossa intuição não é boa na hora de atualizar probabilidades, utilize o teorema a seu favor.

Por exemplo, você desconfia que uma empresa pode estar fraudando o balanço, e pouco tempo depois o CEO sai da empresa. Pronto, você, na ânsia de operar o mais rápido possível, vê isso como a prova da sua teoria e corre para shortear o papel. Mas calma, tente usar sua nova ferramenta, chute alguns números de cabeça (não se preocupe em estimar na vírgula, o importante é a ordem de grandeza) e veja se a prova é tão forte assim. Qual a chance de uma empresa fraudar o balanço? 0.1%? Mas como você já tem uma desconfiança, vamos chutar em 1%. A chance de um CEO sair num determinado ano talvez seja 5%? E a chance dele sair porque está acontecendo uma fraude seja alta, 80%?

A probabilidade aumentou consideravelmente, mas ainda está longe de uma certeza.

Tente utilizar sua nova ferramenta daqui para frente e veja se os números batem com sua intuição. Com o tempo eles devem começar a ficar alinhados.

Referências

[1] BAYES, Thomas. An essay towards solving a problem in the doctrine of chances. 1763.

[2] FINETTI, Bruno de. Theory of probability: a critical introductory treatment. 1974.

[3] BLACK, Fischer; LITTERMAN, Robert. Asset allocation: combining investor views with market equilibrium. 1990.

[4] KOLM, Petter; RITTER, Gordon. On the bayesian interpretation of black–litterman. 2017.

[5] https://hudsonthames.org/bayesian-portfolio-optimisation-the-black-litterman-model/