Hedge, para que te quero?

Hedge é uma palavra que vem do inglês e pode significar “cerca” ou “alambrado”. Nas finanças, hedge é utilizado para designar uma forma de limitar ou controlar riscos. Provavelmente tenha surgido pela analogia de “cercar o risco”.

A maneira mais fácil de entender o que é hedge é pensando no mundo de commodities. Um produtor de soja, por exemplo, está sujeito ao risco da cotação na hora de vender sua produção, o preço pode subir e ele ganhar muito dinheiro ou pode cair a ponto de o produtor quebrar. Para garantir a continuidade do seu negócio, o produtor pode deixar garantida a venda de toda a sua produção ou de parte dela, assim, o seu faturamento estará garantido. No entanto, achar um comprador antecipadamente pode ser complicado, em termos práticos é mais fácil – e em muitas vezes mais interessante – entrar vendido num contrato Futuro ou a Termo, que são contratos cujo objetivo é garantir a entrega futura de alguma coisa por um preço já combinado (existem algumas diferenças entre o Futuro e o Termo, mas não vem ao caso agora). Por outro lado, um pecuarista pode estar preocupado com a alta dos preços da soja (insumo para o gado) e entrar na ponta oposta dos contratos. No meio dessa história, há ainda os especuladores, aqueles que querem assumir mais riscos, na expectativa de ganhar dinheiro. Para todo contrato comprado, existe um contrato vendido.

Essa história é ilustrativa, apesar de realista, e se você tem alguma experiência de mercado deve conhecê-la muito bem. Mas se você está aqui, lendo este texto, provavelmente não se interesse por produção de soja. Acredito que seu interesse seja em investimentos, principalmente em Ações. No mundo do mercado financeiro temos vários outros derivativos para hedgear as posições, como futuros, opções, termos, operações estruturadas, ETFs etc. Mas por que hedgear e, principalmente, como hedgear de forma eficiente?

Na história anterior, o objetivo do hedge era eliminar o riscos. Em um portfólio de investimentos (aquele em que mantemos diversos ativos com o objetivo de preservar e fazer crescer o nosso patrimônio), a forma mais eficaz de eliminar o risco é simplesmente vendendo todos os ativos, zerando todas as posições e ficando só com dinheiro, no máximo com um fundo pós-fixado que acompanhe o CDI. Bom, isso não faz muito sentido, senão você não investiria, para começo de história. Então quando faz sentido fazer um hedge?

Há vários motivos para reduzir o risco. Você pode querer reduzir o risco de um fator especifico ou você pode não querer ter o risco da variação do dólar, mas existem ações que são influenciadas pela moeda, então pode fazer um hedge para que o fator cambial tenha um menor peso na sua carteira. Por outro lado, você pode querer diminuir a volatilidade (vamos tratar volatilidade e risco como sinônimos para simplificar. Essa discussão por si só rende um artigo) do portfólio inteiro. Essa redução pode ser de forma tática ou estratégica.

O hedge tático é pontual, aplicado quando se tem alguma opinião especifica sobre o futuro próximo. Uma eleição presidencial é algo que pode mexer muito no mercado de forma imprevisível para cima ou para baixo, por exemplo. Um investidor que tem uma carteira de ações e não tem opinião formada sobre o resultado ou o impacto da eleição no mercado, não gostaria de ficar exposto a essa loucura. Ele pode vender todos as suas ações, esperar a eleição passar e comprar tudo de novo, mas isso não é prático, além de ser muito custoso com os impostos e corretagens bid-ask. De forma mais eficiente, o investidor poderia vender um futuro de Índice Bovespa, um derivativo com uma boa correlação com sua carteira de ações. Assim, se o mercado cai, ele ganha no futuro e perde na carteira, se o mercado sobe, vice-versa.

Já o hedge estratégico é uma posição de longo prazo e sua utilidade é menos conhecida entre os investidores. Inclusive, o resultado desse tipo de operação pode ser até contra-intuitivo. Um portfólio hedgeado pode ter um retorno maior que o não hedgeado, mesmo que o ativo de hedge tenha um retorno esperado negativo. Como isso é possível?

Vamos usar um exemplo extremo para ilustrar. Você tem um mercado com um ativo de investimento A e um contrato futuro B.

  • A tem 99% de chances de retornar 10% no ano e 1% de retornar -100%. Retorno esperado de 8,90% ao ano.
  • B tem 99% de retornar -2% ao ano e 1% de retornar 100%. Retorno esperado de -0.98% ao ano.
  • A correlação entre os dois é de -100%, ou seja, no ano que A cai, B sobe e vice-versa.

Quando pensamos no longo prazo, o retorno esperado (média ponderada simples) pode ser ilusória. Alguém que fica completamente investido no ativo A vai ganhar por muitos anos, até que em algum momento perde tudo e não tem mais recursos para tentar recuperar o prejuízo. Ela está garantida de ter um prejuízo de 100% no longo prazo. Mas se a pessoa comprar A mais o futuro B (contrato futuro não tem desembolso de caixa no começo, nesse exemplo só anualmente), as probabilidade são as seguintes:

A+B tem 99% de chances de render 8% (10%-2%) no ano e 1% de retornar 0% (-100%+100%). Retorno esperado de 7.92%

A grande diferença é que dessa vez não há chances de perder tudo. A melhor maneira de se olhar retornos no longo prazo é usando o retorno logarítmico ao invés do retorno simples. O motivo disso é que retorno logarítmico é somável, para saber o retorno em dois anos, basta somar os retornos dos dois anos. Isso não funciona para retornos simples, é aquela história de que se caiu 50% e depois 50%, não volta para onde estava.

O retorno logarítmico, ou log-retorno, é o ln( 1 + RetSimples)} onde o ln é o logaritmo natural (=ln(x) no Excel). Para converter de volta é e^logRetorno -1.

Convertendo os retornos para log-retorno, temos:

  • A tem 99% de chances de ter um log-retorno de 9,53% no ano e 1% de ter um log-retorno -∞. Log-retorno esperado de ∞% ao ano. Ou -100%, em retornos simples.
  • B tem 99% de chances de ter um log-retorno de -2,02% no ano e 1% de ter um log-retorno 69,31%. Log-retorno esperado de -1,31% ao ano. Ou -1,30%, em retornos simples.
  • A+B tem 99% de chances de ter um log-retorno de 7,70% no ano e 1% de ter um log-retorno 0%. Log-retorno esperado de 7,62% ao ano. Ou 7,92%, em retornos simples.

Importante notar: Log-retornos funcionam para somar retornos de um mesmo ativo ao longo do tempo. Para somar os retornos de dois ou mais ativos no mesmo período, usamos o retorno simples.

Adicionando um hedge que tende a nos CUSTAR dinheiro, conseguimos AUMENTAR o retorno esperado! Viu como vale a pena conhecer um pouco da teoria?

Esse exemplo foi extremo, mas o princípio funciona para situações mais realistas. Isso também demonstra que, a longo prazo, mais risco gera mais retorno até certo ponto, depois ele apenas fere nossa construção de patrimônio mesmo que, a primeira vista, dê um maior retorno.

Disclaimer: Este texto não é uma indicação ou sugestão de investimento. A ideia é explicar o conceito de hedge e possíveis razões para o uso dele, que podem ir ou não de encontro as suas necessidades. Consulte um profissional qualificado e autorizado para te ajudar, caso existam dúvidas.