Skillset para Gestão Quantitativa

A gestão de portfólio com ferramental quantitativo se cria na interseção entre três áreas do conhecimento: tecnologia, modelagem e finanças. São esses três pilares que fundam as atividades dos quants e é quase impossível uma pessoa sozinha ter a expertise técnica total nessas três áreas do conhecimento. Em uma instituição quant, as atividades são bem divididas em equipes e cada pessoa com sua habilidade específica deve trabalhar em conjunto com outras pessoas – somando várias expertises diferentes nessas três áreas do conhecimento para gerar ganhos.

O Diagrama de Venn abaixo ilustra esses três pilares:

Falta de conhecimento sobre Finanças: A desinformação

Mesmo um excelente Data Scientist – com enorme capacidade de desenvolvimento de softwares e modelagem, que não tenha compreensão de mercado – é incapaz de fazer o trabalho de um quant de forma correta. Compreender a mecânica de mercados e do mundo modelado é essencial para esse trabalho, por isso o pilar de finanças é o primeiro e mais importante: sem o entendimento de finanças, a atividade quant perde sua característica essencial.

Além do domínio das mecânicas micro e macroeconômicas que regem os mercados, o importante é destacar que a razão sinal/ruído em finanças é absurdamente baixo comparado com outras áreas de aplicação da ciência de dados. Portanto, cuidados a mais precisam ser tomados e, com frequência, a natureza dos modelos precisa ser alterada para permitir a captura de fenômenos financeiros.

Falta de conhecimento sobre Tecnologia: O não escalável

Uma vez um amigo me perguntou o porquê de eu não acreditar que fosse possível ter uma gestora de recursos de terceiros 100% quant baseada no Microsoft Excel. A minha resposta foi a mesma de um gestor do Renaissance Technologies, 2 Sigma, Citadel, D. E. Shaw e dos maiores hedge funds quantitativos do mundo. Reconhecendo a enorme distância entre mim e essas grandes referências, defendo o mesmo ponto de vista que elas: o trabalho quant de excelência e escalável não pode ser feito no Excel.

Acredito que esse é o maior problema do mercado quantitativo brasileiro. Um desses maiores hedge funds quants do mundo, para poder executar seus projetos, exige de um candidato “Proficient coding in python”. Para o Brasil, a cada dia que passa, o entendimento de Python tem se tornado o mínimo para um candidato ser contratado em algumas das 35 iniciativas de gestão quantitativa que temos por aqui.

Falta de conhecimento sobre Modelagem: O subótimo

Uma gestora que sabe de tecnologia e entende de finanças, mas não aplica métodos de modelagem no mundo quantitativo, sempre estará atrás de quem buscou, além de tecnologia e compreensão de finanças, o domínio das ferramentas estatísticas e matemáticas. Até mesmo fundos de arbitragem e de High Frequency Trading (ou Eletronic Marketing Making) conseguem ter maior domínio das mecânicas da microestrutura e maior resultado com auxílio de modelos matemáticos.

É possível fazer um modelo de tendência com cruzamento de médias móveis. Mas será que o cruzamento de médias móveis é a melhor forma de capturar a dinâmica de tendência que existe nos preços? Existem infinitos sinais capazes de mensurar intensidade de tendência em preços e, dessa forma, o cruzamento de médias móveis acaba sendo uma medida subótima pois, por ser uma média, demora para se mover – podendo demorar mais tempo para capturar algumas dinâmicas do presente nos preços.

Como alguém pode obter o skill set de cada uma dessas áreas?

Há basicamente duas formas: cursos e experiência prática. Mas gosto de dividir cursos em duas categorias: os de curta duração e os de longa duração (programas de graduação e pós). Portanto, temos três formas diferentes de obter essas habilidades:

1. Avançando em modelagem

Acredito que atingir a expertise em modelagem é mais fácil na academia, onde é necessário estudar a base de cálculo, álgebra, otimização e estatística para que se consiga fazer um trabalho de ponta nessa área. Observo que a aprendizagem de modelos específicos pode ser feita por meio de cursos avulsos. Porém, uma pessoa com uma base sólida de matemática, estatística e álgebra terá contribuições mais pertinentes. Até hoje nunca conheci alguém que tenha aprendido cálculo diferencial e integral com cursos avulsos de curta duração, isto é, fora de um programa de graduação ou pós. Esse pilar, portanto, trata da aplicação de todos os conceitos e técnicas estatísticas, matemáticas e de otimização – incluindo a literatura sobre a modelagem de machine learning existente.

2. Avançando em tecnologia

Muitos departamentos acadêmicos de computação oferecem cursos de graduação e pós-graduação de ponta, mas a quantidade de cursos online para vários conceitos gerais dessa área é tão grande, que acredito ser possível aprender tudo de determinadas áreas da tecnologia com dezenas de cursos avulsos. Certamente, o mundo da computação é enorme – para quants o foco está mais em back-end do que front-end, o enfoque maior deve ser desenvolvimento, mas na prática irão aparecer problemas de infraestrutura/operações e arquitetura. Existe um incrível repositório no Gitlab chamado “developer roadmap”, no qual desenvolvedores debatem que skills são importantes para começar a carreira do zero – esse repositório tem contribuição de 550 usuários e muito debate sobre o que deve vir antes e depois de qual skill. O output de todo esse debate está disponível no site https://roadmap.sh/ e é um excelente mapa para começar a carreira de desenvolvedor.

3. Avançando em finanças

Finanças é um caso à parte na perspectiva de cursos de graduação e pós, pois ainda não existe graduação em finanças no Brasil e departamentos de finanças em universidades ainda estão em estágio embrionário. Vejo que o pilar de finanças pode ser adquirido de forma muito mais fácil e rápida com vivência de mercado. Sempre gosto de citar a prova do CFA como uma proxy de uma lista de conteúdos que podem ser abordados para satisfazer o conhecimento sobre finanças. Por fim, vale lembrar que cursos de pequena duração, quando ensinados por pessoas com larga experiência prática no mercado financeiro, geram enorme impacto no crescimento da compreensão de finanças dos alunos.